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Diretora, professora, Ph.D. Ana Maria Martins da Costa Santos Langkilde
Diretor de Comunicação, mag.art. Niels Jørgen Martins da Costa Santos Langkilde
Instituto H. C. Andersen, Marília, Estado de São Paulo, Brasil
Hans Christian Andersen nasceu na ilha de Fyn em 2 de abril de 1805, mas faleceu em Copenhague de câncer no fígado e foi sepultado no Cemitério Assistens, junto com os posteriormente falecidos Henriette e Edvard Collin. A lápide deles foi posteriormente transferida, em 1914, para o antigo cemitério de Frederiksberg.
H. C. Andersen morreu em 4 de agosto de 1875 às 11h05 na casa “Rolighed”, em Østerbro, onde residia com a família Melchior, e foi sepultado em 11 de agosto do mesmo ano.
Seu funeral foi um grande evento nacional. Pouco menos de seis meses antes, por ocasião de seu aniversário de 70 anos, Andersen já havia sido celebrado, assim como quando foi declarado cidadão honorário de Odense em 6 de dezembro de 1867. Após a devastadora derrota para a Prússia e a Áustria em 1864, o país passou a valorizar mais os momentos de união em torno de figuras significativas.
O funeral teve início na Catedral de Copenhague, conhecida como Vor Frue Kirke (Igreja de Nossa Senhora). A cerimônia teve um toque especial de sua terra natal, pois o bispo da Diocese de Fyn, C. T. Engelstoft, fez o discurso em homenagem a H. C. Andersen. O rei e o príncipe herdeiro compareceram. As mulheres da família real enviaram coroas de flores. Era incomum que mulheres participassem de funerais urbanos naquela época, mas nesse caso, foi permitido. O jornal Dagbladet escreveu: “Ambas as galerias foram reservadas às damas”. Em contraste, quando o crítico frequente de Andersen, Johan Ludvig Heiberg, faleceu em 1860, sua esposa Johanne Louise Heiberg não pôde comparecer.
Além da família real, participaram do funeral representantes da política, da nobreza, da burguesia (com inúmeras bandeiras), de corais e associações de estudantes e trabalhadores. Muitos também ficaram do lado de fora. É um aspecto frequentemente esquecido que Andersen mantinha boas relações com o nascente movimento operário, incluindo a ainda existente Associação de Trabalhadores de 1860 e sua precursora, a Associação de Trabalhadores de Copenhague, de 1853.
Andersen leu suas obras em voz alta para os trabalhadores por pelo menos 20 ocasiões, até que sua saúde enfraquecida não permitiu mais. A data de início dessas leituras é debatida — teria sido em 1858, como afirma em Aventuras da Minha Vida, ou em 1860? O mais importante é que ele foi um dos primeiros, senão o primeiro, a fazer leituras literárias voltadas ao público operário. De 700 a mais de mil pessoas lotavam os salões onde ele se apresentava — e ainda havia quem escutasse do lado de fora, graças às janelas abertas.
No funeral, não apenas estudantes, mas também trabalhadores fizeram guarda de honra. O livro da Associação de Trabalhadores de 1860 relata que mais de mil membros da associação acompanharam o caixão até o Cemitério Assistens — com a bandeira da associação, é claro.
O funeral de H. C. Andersen foi um grande acontecimento.
Após a cerimônia, foi possível calcular o espólio do autor. O menino pobre havia administrado bem suas finanças. Em valores atuais, seu patrimônio equivaleria a cerca de 5 milhões de coroas dinamarquesas.
A maior parte da herança ficou com a família Collin. Muitos membros foram beneficiados com doações ou acesso a bolsas. O principal herdeiro — chamado de “herdeiro universal” no testamento — foi Edvard Collin, seu apoiador por muitos anos. A relação entre eles, no entanto, era marcada por um certo distanciamento. Edvard recusava, por exemplo, a intimidade de “beber dus” com Andersen (tratar-se por “tu” ou informalmente), o que magoava o autor por décadas. Ainda assim, Andersen chegou a emprestar dinheiro ao banqueiro Edvard Collin.
O primeiro item de seu testamento dizia o seguinte:
“Estudei na escola para pobres do asilo em Odense; caso esta escola ainda exista, deixo para ela — ou, caso não exista, para uma escola similar em Odense — a quantia de 1000 rigsdaler; o capital deve ser preservado, e os juros (calculo que sejam cerca de 40 rigsdaler anuais) devem ser destinados ao aluno mais aplicado, como ajuda e incentivo. A bolsa será chamada de ‘Ajuda H. C. Andersen’.”
Essa ajuda continua sendo entregue até hoje no aniversário do autor, 2 de abril.
As muitas palavras de louvor que Andersen recebeu após sua morte foram abruptamente interrompidas sete anos depois, em 1882, com a publicação do livro H. C. Andersen e a Casa Collin, escrito por Edvard Collin.
Já na introdução, Collin deixa clara sua intenção:
“Minhas próprias observações sobre ANDERSEN como autor e como pessoa reservo para o final do livro; elas provavelmente não agradarão a todos os seus admiradores. Mas, tendo sido talvez a pessoa que melhor o conheceu, considero minha obrigação corrigir sua versão — ou ao menos sua apresentação — de suas adversidades.”
Seguem-se 18 páginas de introdução e depois 695 páginas com documentos interessantes, embora frequentemente manipulados, e observações sobre Andersen. O livro revela que a antipatia era real. Edvard Collin, um funcionário público de prestígio, parecia incomodado com o fato de um menino pobre ter “superado” intelectualmente a elite burocrática. Achava absurdo que Andersen fosse recebido por grandes duques, reis, rainhas, príncipes, artistas e escritores renomados — e que sua obra fosse traduzida para tantos idiomas.
Collin preferia um estilo literário diferente — uma poesia que hoje está esquecida. A dor, quase insuportável, o levou a distorcer a imagem do autor com críticas duras. Logo na primeira página, escreve a frase infame:
“Se ele não foi um grande homem, foi ao menos um homem famoso.”
Edvard Collin tentou destruir a reputação de Andersen mesmo após sua morte. E conseguiu parcialmente. Nos anos seguintes, outros seguiram seu exemplo. O crítico dinamarquês Georg Brandes foi um deles; o historiador literário P. Hansen foi outro. Brandes chegou a espalhar histórias controversas sobre Andersen até na Rússia. Um embate com o filho de Edvard, Jonas Collin, em 1896, levou a discussão de volta à Dinamarca. Não apenas Jonas, mas também o escultor August Wilhelm Saabye e o educador Johan Jacob Krohn se sentiram obrigados a contestar publicamente os relatos de Brandes. A introdução de Brandes à chamada “Edição Mundial” dos contos de Andersen em 1900 reforça essa posição crítica.
O próprio Edvard Collin acreditava que o conto A Sombra fazia referência a ele. A recusa do tratamento informal aparece claramente no conto, em que a Sombra mata o Sábio. Isso, no entanto, não ocorreu na realidade. Mesmo com todas as críticas, correções de manuscritos e palavras duras, Andersen não se deixou abater.
Podemos, hoje, reescrever o final deste conto biográfico. O Sábio — alter ego de Andersen — ressuscitou na literatura, apesar das tentativas de “assassinato”.
Andersen está, sim, morto e enterrado — mas sua obra vive plenamente em livros, palcos, filmes e na internet. Aqui no Brasil, sua presença é sentida em selos, livros, animações da Disney e entre pesquisadores que, neste 150º aniversário, se reúnem com colegas internacionais. Seus contos e histórias são tão visual e poeticamente fortes que continuam migrando para as novas mídias com facilidade. Mesmo quando, ao fim de A Árvore de Natal, lemos um desesperançoso “Acabou, acabou”, o próximo grande conto do mesmo volume, A Rainha da Neve, mostra que… não, não acabou.
Autor:
Niels Jørgen Martins da Costa Santos Langkilde
Ilustração:
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Fonte:
https://institutohcandersen.com/
Contribuição:
Diretora, professora, Ph.D. Ana Maria Martins da Costa Santos Langkilde
Diretor de Comunicação, mag.art. Niels Jørgen Martins da Costa Santos Langkilde