Written by: Hans Christian Andersen
Era uma vez um estudante, sabem o que ele queria ser? Escritor, poeta, imaginem! Ele queria ler onde nada estava escrito e queria compreender onde tudo parecia confuso. Ele queria ler entre as linhas, além das linhas, isto é, aquilo que estava escondido. Como ele era muito confiante nele mesmo, tinha certeza de que antes mesmo que chegasse a Páscoa, ele já seria um escritor, um poeta talvez! O passo seguinte seria casar-se e viver de seus proventos como escritor. Mas, o nosso grande-futuro-escritor estava sem ideias. Para quem queria ser um escritor esse era um grande problema. Quanto mais ele pensava, menos ideias lhe viam à cabeça. Chegou mesmo a pensar que nasceu depois das ideias, ou seja, tudo que poderia ser usado por ele já havia sido usado por outros.
Entristecido pensou que seria muito bom ter nascido há mil anos, cem anos, somente assim poderia ter tido boas ideias, nada havia sobrado para o grande-futuro-escritor, sem ideias.
De tanto pensar ficou doente. Logo os médicos disseram que seu problema era encontrar respostas para o que não sabia. Os médicos não sabiam como poderiam tratá-lo. Alguém que ele conhecia sugeriu que ele procurasse uma velha senhora, que segundo os moradores do lugar era muito sábia. Ela morava nos limites da cidade, em uma casinha muito pequena. Era ela quem abria e fechava a cancela para que as pessoas pudessem entrar na cidade. Apesar de sua aparência, ela era muito sábia, as pessoas vinham procurá-la quando os médicos já não tinham mais o que fazer. Vinham pessoas de todos os tipos, até mesmo os ricos e os da nobreza. Foi assim que o nosso futuro-grande-escritor resolveu também, procurar os conselhos da velha senhora sábia.
Como era de se esperar, a pequena casa era muito simples, mas muito bem cuidada. Nada havia dentro da casa para deixá-la, mais bonita, nenhuma flor, nada, porém, perto da porta de entrada havia uma colmeia de abelha, com certeza algo muito útil, e no quintal um canteiro de batatas, também algo muito útil. Fora da casa havia uma parte escavada onde havia um arbusto, o abrunheiro, ou ameixa selvagem, com umas flores brancas e cujas frutinhas são muito boas para a saúde, mas antes de um rigoroso inverno, com noites muito frias elas são muito amargas. O que vejo à minha frente e um retrato vivo dos nossos tempos.
Pensando assim, bateu a porta:
Ao abrir a porta a velha senhora foi logo falando:
– Porque não escreve sobre o que você pensa ou sobre suas dúvidas, incertezas... Sei que veio me procurar porque quer tornar-se um escritor antes da Páscoa, mas nada parece bom para começar seus escritos. Estou dizendo a verdade, não é mesmo?
Muito feliz, porque achou tudo muito mais fácil do que havia imaginado, concordou com a senhora e disse: – Infelizmente vivemos em épocas de grande pobreza criativa, nada de novo surge, tudo já foi dito, copiado e recopiado, não sobrou nada para mim. Tempos difíceis esses!
Vou concordar com você, mas gostaria que você acompanhasse meu raciocínio: Nos velhos tempos, velhas como eu, não poderiam estar conversando com você pois eram chamadas de bruxas e queimadas em enormes fogueiras. Era uma época em que o estomago do poeta era mais vazio do que seu próprio bolso. Seu problema é de cegueira, não de falta de ideia. Olhe à sua volta, tanta coisa você tem para agradecer que nos são dadas pelo nosso Deus, a natureza, as flores, o cantar dos pássaros, o barulho das águas correndo nos riachos, há uma linguagem sem voz, tente ouvi-las, olhe à sua volta, tudo compactua para inspirar você, o problema é que você não quer se dar ao trabalho de experimentar as verdadeiras maravilhas que estão no mundo pronta para serem descritas, recitadas em verso e prosa. Vou ajudar você, vou emprestar-lhe meu aparelho de surdez e meus óculos. Você deverá observar a natureza através dessas lentes e escutar o som da vida com esse aparelho. O mais importante de tudo, no entanto, é parar de pensar em você, em primeiro lugar.
Caro leitor, você há de concordar comigo que essa é a tarefa mais difícil para esse rapaz.
Nosso futuro-grande-escritor/poeta colocou os óculos e o aparelho nos ouvidos. Agora eles estavam em pé, perto do canteiro das batatas, a velha senhora colheu uma e deu a ele. Imediatamente ele começou a ouvir a batata e ela narrava fatos sobre sua história.
O que o nosso amigo não sabia era que a batata havia chegado à Europa como imigrante. Foi de pronto rejeitada, somente depois de muito tempo foi aceita e se transformou no alimento cotidiano principal de todas as refeições.
Naquela época, os reis mandavam seus emissários entregarem batatas em todas as cidades incentivando seu cultivo para que o povo pudesse ser alimentado. Fomos cultivadas das formas mais erradas desde pensar que cresceríamos como árvores, até nos amontoar a um canto e nos deixar ali para ver o que aconteceria, até chegarem ao ponto de perceberem que nossa melhor parte estava debaixo da terra e não em cima dela. Essa parte é suculenta e saborosa. Nossos antepassados sofreram muito, já pensou se fosse com os seus antepassados?
Agora chega, a conversa com a batata já se estendeu por muito tempo. Vamos ouvir um pouco o abrunheiro. Voltando-se para o jovem ele disse: – Aqui a conversa é outra, as batatas vêm do Sul, enquanto nós, do Norte. Fomos trazidos pelos guerreiros vikings em uma de suas muitas viagens pelo mundo. Em uma delas foram parar em uma terra muito gelada, onde encontraram esses frutos. Antes do frio intenso suas frutinhas eram muito amargas, mas depois, quando o frio e a neve chegavam, elas ficavam doces como um mel. Lembravam até uvas muito doces. Nosso nome foi dado pelos vikings em terras muito distantes hoje conhecidas por nós como a Groenlândia.
Que beleza de história, disse o futuro-grande-escritor/poeta.
Tenho razão ou não disse a velha senhora?
– Agora vamos visitar a colmeia.
Ao colocar os óculos ele conseguiu ver o que jamais poderia imaginar. Dentro da colmeia, um grande movimento, um trabalho incessante era realizado por todas aquelas abelhas. Os corredores e galerias eram visitados pelas abelhas que, com suas asas abertas procuravam renovar o ar do ambiente. As abelhas chegavam ali aos milhares vindas do lado de fora de onde colhiam material para a produção do mel. Suas pernas tinham cestinhas, quase invisíveis, dentro delas era coletado o pólen e, ao esvaziar as cestinhas ele era separado para a produção do mel ou da cera. Tendo esvaziado as cestinhas, elas voltavam para o exterior para colher mais material. A abelha rainha queria fazer o mesmo, mas não podia porque se ela saísse a voar as outras abelhas a seguiriam e ainda não era chegado o tempo para criar uma outra colmeia, para conter a rainha as abelhas cortaram-lhe as asas.
Vamos agora visitar outro mundo, veja, você já ouviu histórias das batatas, do abrunheiro, já observou a vida em uma colmeia, agora vamos para a frente da casa observar as pessoas que passam pela estrada.
Lá estavam eles ao pé da estrada.
O rapaz ficou admirado com a quantidade de pessoas que passava por ali. Aprendeu muito bem que cada uma delas deveria ter sua própria história, mas disse que não tinha tempo para escutá-las e que iria embora.
Não foi essa minha intenção ao trazê-lo aqui. Você vai caminhar entre eles e ouvir o que eles estão dizendo, tenho certeza de que muitas ideias brotarão em você. No entanto, antes de ir, devolva-me meus óculos e meu aparelho de audição.
Muito a contragosto, o rapaz entregou a velha senhora ambos os aparelhos e disse: – E agora, o que faço? Não enxergo mais nada e nem ouço mais nada interessante.
Sem “ver” e sem “ouvir” você jamais será um futuro-grande-escritor/poeta nem antes e nem depois da Páscoa.
– O que fazer então?
– Não tenho resposta, imaginação é algo que você tem ou não tem. Não posso ensinar você a ter imaginação.
– O que fazer então? Desistir de meu sonho?
– Ah! Isso era um sonho para você? Estou mais aliviada, há outras coisas a fazer quando não se tem imaginação e não precisa esperar a Páscoa, aproveite o Carnaval, compre algumas máscara e vá assustar os poetas, finja que não compreende o que eles dizem, faça por isso muitas críticas, seja duro, amargo, acabe com eles sem dó nem piedade, certamente você ganhará muito dinheiro com isso e poderá formar a família que tanto deseja.
– Não acho isso muito interessante, mas porque não tentar?
Assim um novo crítico literário estava na praça atacando sem piedade os que tinham talento já que ele próprio não conseguia escrever, dava um jeito de destruir a carreira de quem o fazia. Ele tinha um prazer especial de criticar os poetas.
É claro. Que eu não inventei essa história, ela me foi contada pela velha senhora sábia. Ela tem muita imaginação, não somente para ela, mas para quem quiser comprar ou até mesmo receber dela, no entanto, poucos são os interessados nesse tipo de sabedoria. De dom? De experiência? De sensibilidade.