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A Vigésima quarta noite

Written by: Hans Christian Andersen

Escutem o que a Lua me contou: “Alguns anos atrás, em Copenhague, olhei através de uma janela de uma pobre residência. Os pais dormiam, mas o filho não. Sua cama era coberta por uma colcha de algodão estampada. Em dado momento o menino colocou a colcha de lado e olhou em direção de alguma coisa fora do berço. Seria um relógio grande e colorido de vermelho e verde preso à parede? O relógio tinha um cuco e dois pêndulos em metal polido que balançavam de um lado para o outro fazendo tique-taque, tique-taque, no meio da noite. Seu olhar estava fixo em outra coisa, na roca de sua mãe que ficava ao lado de sua cama. Ela era sua preferida, mas ele tinha medo de tocá-la e ser repreendido por sua mãe. Sempre que sua mãe estava fiando, ele ficava a seu lado, silenciosamente sentado para ouvir o barulho que a roca fazia, enquanto acompanhava o movimento da roda que girava, girava, girava e seu pensamento girava com ela. Uma vontade enorme de mover aquela roca tomou conta dele. Seus pais dormiam. Olhou novamente a roca e foi aos poucos deslizando da cama. Mais uma vez olhou para seus pais; eles dormiam. Suspendeu um pouco sua camisola e muito cuidadosamente foi até a roca. Logo a roda começou a girar. O fio corria e a roda girava, girava, mais depressa, mais depressa. Minha face iluminou-se com um sorriso e beijei aqueles cabelinhos louros e aqueles olhos azuis. Que bela visão, tão pura, tão inocente, tanta felicidade. A mãe acordou, talvez com o barulho e pensou estar vendo um gnomo a sua frente. “Meu Deus! Exclamou e sacudiu o marido. Ainda meio dormitando, olhou para o menino e disse: “Ora, é o Bertel!” disse. Saí dali. Havia tanto para fazer e ver! Fui para Roma, avistei o Vaticano onde podia-se ver imagens de antigos deuses. Minha luz focou o Grupo de Laocoonte. Parecia que a pedra respirava, que estava viva. Beijei as musas, pareceu-me que acordaram, que se mexeram. Continuei meu passeio e minha luz foi pousar no Grupo do Nilo, o destaque era o seu deus colossal. Recostado na esfinge ele era todo introspectivo, estava em estado de meditação. A impressão que se tinha era a de que ele pensava sobre as passagens dos séculos. A seus pés brincavam cupidos e pequenos crocodilos. No apogeu da abundância, de braços abertos, o pequeno Cupido se regalava a olhar o poderoso Deus-Rio, a imagem que me veio era de estar diante daquele outro menino que há tempos atrás vi sentado a uma roca girando sua roda. Ambos tinham o mesmo rosto. Tão realista, tão encantadora a pequena figura de mármore –a roda do tempo girou tantas vezes até que conseguiu se libertar da pedra bruta. O garotinho ao girar a roda da roca, a roda do tempo e da arte tinha dado outras tantas rodadas até conseguir tirar do mármore deuses iguais aos que tinham sido esculpidos muitos séculos atrás. Anos se passaram desde que observei esses fatos. Ontem estava na costa oriental da Dinamarca. As florestas ali são belas e majestosas com grandes árvores. Pareciam antigos castelos cercados de muralhas em tons vermelho. Os cisnes nadavam nos lagos da vizinhança, mais ao fundo via-se um vilarejo e uma Igreja. Todos os moradores estavam se dirigindo para a praia e navegavam em botes pelo mar. Eles traziam em suas mãos tochas, para saudar e celebrar uma pessoa muito importante. Havia música e na proa de um dos botes vinha um homem muito ereto. Ele era o motivo de toda aquela homenagem, de toda aquela honraria. Aquele homem altivo e imóvel vestido com uma capa, de olhos azuis e de cabelos brancos e compridos. Aquele rosto não me era estranho, já o tinha visto em algum lugar. Minha memória levou-me para o Vaticanos e tornei a ver todas as esculturas que, certa vez, já havia visitado e ficado maravilhada. Minha memória foi mais longe e lembrei-me da casa pobre onde o garoto Bertel girava a roda da roca. Assim como ela, a roda do tempo também havia girado, outros deuses haviam sido retirados da pedra. Gritos de saudações trouxeram-me de volta, dos botes o povo clamava: Hip hurra! Viva Bertel Thorvaldsen!”

© Todos os direitos reservados a H.C Andersen Institutte ®

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